
Logo após a revolução em Cuba, o presidente americano John F. Kennedy decretou um embargo econômico à ilha, que de certa forma permanece até hoje, proibindo todo país aliado de manter qualquer tipo de relação econômica com o país de Fidel Castro. Foi então que Cuba se aproximou e se tornou uma íntima amiga da extinta União Soviética. Com os subsídios soviéticos, Fidel promoveu uma imensa transformação social no país, estatizando empresas e propriedades e centralizando tudo ao redor do Estado dando ao povo comida, educação e uma nova perspectiva de vida.
Problema é que no fim dos anos 80 a imensa União Soviética entrou em colapso e no início dos 90 finalmente terminou sua agonia. E Cuba ficou órfã. É por isso que a década de 1990 foi de penúria, uma crise social sem fim. Foi aí que o governo decidiu apostar no turismo e na gradual abertura econômica da ilha. Nesse momento, em 1993, foi criada uma nova moeda, o peso convertible, pareada com o dólar, más impondo uma taxa adicional de 10% devido ao embargo. Esta moeda é a que os turistas usam o Cuba, e é apenas lá que ela circula. Pra quem tem interesse em ir para lá, é bom ficar bastante atento a esse detalhe e se programar. Se quiser, me dá um toque que eu passo as dicas... Bom, essa guinada criou duas realidades bem diferentes em Cuba, a do cubano e a do turista, tópicos que vou explorar mais adiante.
Sou formado em história, e desde antes da academia a história cubana já era algo que me fascinava. A revolução, a figura de Che Guevara... Partes desse magnetismo e romantismo que cerca a ilha. É aqui que se amarram as arestas, pois munido de todas essas informações desembarquei no modesto aeropuerto internacional San Martí, ansioso pra conversar com as pessoas, saber o que elas pensam, ver com meus próprios olhos. No aeroporto contratei os serviços de táxi, um carro moderno (nem sei que marca é) com ar condicionado e cheirando a novo. Pelas ruas, vi um trânsito bem doido mesmo pra quem está acostumado com São Paulo, mesclando carros novos aos tradicionais antigões dos anos 50, que ainda circulam aos montes e, em geral, também são táxis. Por nós passou um veículo Audi novíssimo, espantado perguntei ao taxista quem na ilha tinha plata para tal aquisição, ao que me respondeu: "tem gente rica, o socialismo não é para todos". Recebendo em CUC (peso convertible), em euros ou dólares, o turismo criou uma nova classe social no país.
Isso é muito importante para fugirmos dos extremos: nem idealizar o socialismo cubano como algo divino, tampouco jogar tudo na lata de lixo do senso comum, como se todo mundo lá fosse miserável morto de fome e o nosso capitalismo seja a melhor coisa do mundo. Há vida fora dos extremos, e lá devemos habitar.
Caminhamos muito, quase que de uma ponta a outra de Havana, da Plaza de la Revolución hasta Centro Habana y Habana Vieja. Caminhamos pela parte turística e pelas "quebradas" da cidade, inclusive a noite, e em nenhum momento nos sentimos ameaçados, mesmo portando câmera fotográfica e com dinheiro na carteira. Isso é algo importante de se dizer, pois desconheço qualquer grande cidade brasileira que se pode andar com essa segurança. O fator ditadura em Cuba talvez possa ser um argumento, mas é insuficiente, pois em Montego Bay (segunda maior cidade da Jamaica) e em Cozumel (importante cidade turística perto de Cancún) também ficamos admirados com tanta paz, pois não estamos acostumados. Me parece mais uma questão estrutural, de educação do povo. Aliás, se segurança fosse garantida simplesmente pelos aparatos de repressão, a lógica dos governos estaduais brasileiros estaria certa e não haveria tanto problema nas nossas grandes cidades.
Outro detalhe, quem se propõe a ir às Cuba precisa ter em mente que o turismo lá é algo novo, e que ainda está sendo criada uma estrutura bacana para receber os turistas. Internet mesmo é algo meio precário, pois só funciona em alguns pontos e pra usar tem que comprar uma tarjeta (cartão) que custa entre 1 e 3 CUC, e se parece muito com o que se tinha antes do 3g.
Outro detalhe, quem se propõe a ir às Cuba precisa ter em mente que o turismo lá é algo novo, e que ainda está sendo criada uma estrutura bacana para receber os turistas. Internet mesmo é algo meio precário, pois só funciona em alguns pontos e pra usar tem que comprar uma tarjeta (cartão) que custa entre 1 e 3 CUC, e se parece muito com o que se tinha antes do 3g.

Isso tudo é realmente lindo e utópico tendo em vista a nossa realidade, mas nem tudo são flores. Cuba tem o mesmo governo desde 1959, sendo 49 anos de Fidel Castro e 10 de seu irmão, Raúl. Para março de 2018 estão marcadas eleições legislativas e já se sabe que em abril Raúl passará o bastão, e obviamente o sucessor já está escolhido e provavelmente será seu vice presidente, Miguel Díaz-Canel. Não há oposição. Nesse percurso de 1959 até 2018, com o pretexto de se "manter a revolução", muita gente foi para o paredão, assim como muitos outros sofreram com uma forte repressão, bem como milhares de exilados. Não importa se é de direita ou de esquerda, ditadura é ditadura e não há liberdade dentro dela. Preciso ser coerente em relação às minhas convicções.
Na fala tanto de Henrique, garçom do hotel que ficamos os dias antes de embarcar, quanto
pode viajar ao exterior mediante justificativa apresentada à imigração, onde também se deve provar que o objetivo não é fugir do país. Percebe-se gratidão pelos avanços sociais alcançados, mas também desilusão quanto à falta de maiores oportunidades e de perspectivas futuras.
Está certo que o custo de vida é baixíssimo, mas os salários são igualmente baixos. Um enfermeiro pós graduado, por exemplo, recebe em média 40 pesos convertibles (algo em torno de R$150,00), o nosso garçom gente fina ganha 20 pesos (R$80,00) mensais. Essa é a média da imensa maioria da população... Antes de conclusões mais apressadas, é preciso entender que nós aqui não fazemos nada com R$100,00 mensais, mas com esse equivalente em moeda local, o cubano em geral consegue ter uma vida melhor do que uma grande parte da nossa população, que tenta sobreviver sem ao menos o mínimo do mínimo. Problema é que, dependendo do ponto de vista e da ambição envolvida, para muitos é realmente muito pouco... É por isso que em muitos você encontra uma grande vontade de sair da ilha e tentar a vida em outros países, na esperança de ganhar dinheiro suficiente para comprar tudo o que o capitalismo pode oferecer. Me isento de qualquer julgamento, pois eu realmente não sei o que faria se estivesse no lugar deles.
Gostaria que, aqui no Brasil, conseguíssemos de alguma forma conciliar a nossa liberdade de expressão e de ir-e-vir com uma vida mais digna e justa para o povo que mais precisa. Não vejo no horizonte nenhum sistema que possa substituir completamente o capitalismo, pois na dinâmica do mundo globalizado, é impossível se viver isolado. Um caminho mais prático e possível é a mobilização popular como caminho para se construir uma sociedade mais humana e justa, mesmo dentro do capitalismo.
Gostaria que, aqui no Brasil, conseguíssemos de alguma forma conciliar a nossa liberdade de expressão e de ir-e-vir com uma vida mais digna e justa para o povo que mais precisa. Não vejo no horizonte nenhum sistema que possa substituir completamente o capitalismo, pois na dinâmica do mundo globalizado, é impossível se viver isolado. Um caminho mais prático e possível é a mobilização popular como caminho para se construir uma sociedade mais humana e justa, mesmo dentro do capitalismo.

PS: 1 minuto de silêncio para a mente pequena de quem acha que em Cuba "só tem comunista". Na verdade acho que esse preconceito idiota só tem aqui entre a classe média brasileira, pois em Havana se encontram turistas do mundo todo. Fiz amizade com argentinos e espanhóis, mas vi incontáveis italianos, alemães, russos, japoneses...
PS2: Tome mojito. Tome muito mojito, deve ter alguma feitiçaria no mojito que é feito em Havana, de tão bom!! Porém, com o que se paga pelo drink na famosa "Bodeguita del medio", se compra 2 ou quase 3 em outros pontos da cidade...
Abração a tod@s, e fico a disposição para dúvidas e esclarecimentos!!