Falar sobre Snowden é, antes de tudo, refletir sobre o "Grande Irmão" (Big Brother), isto é, a personificação do Estado opressor, presente no livro "1984", do britânico George Orwell. Trata-se do meu livro favorito, que transformou profundamente meu modo de enxergar as relações políticas e sociais do mundo em que vivemos, e recomendo fortemente a leitura minuciosa. Em linhas gerais, a história se desenvolve num Estado totalitário conhecido por "Oceania". Lá existe sobre parte da população um extremamente rígido sistema de vigilância e controle, vinculada a uma polícia de pensamento que vasculha sinais de subversão até nos atos e sentimentos mais secretos. Por toda parte se encontram cartazes exibindo um homem austero (leve semelhança com Joseph Stálin) e os dizeres: "O Grande Irmão está observando você". E está mesmo, através de teletelas, espécie de televisores espalhados por todos os lugares, especialmente nas casas das pessoas. Detalhe importante a ser frisado, em 1948 ainda não haviam televisões, menos ainda sistemas tão complexos de monitoramento por câmeras.
O livro, lançado em 1948 no contexto ainda dos regimes totalitários dos anos 30 e da segunda guerra mundial apresenta o prognóstico de um futuro sombrio, sem liberdade, sem privacidade. Mas quanto George Orwell adiantou, em sua obra, da realidade que vivemos no século XXI. Edward Snowden nos prova que foi muito.
Snowden foi um prodigioso analista de redes de computadores que construiu carreira meteórica na CIA, onde tomou conhecimento que praticamente o planeta inteiro é espionado pelo governo dos EUA. Não se trata de combate ao terrorismo, mas essencialmente de manutenção da hegemonia estadunidense. Deste modo, são vigiados de perto líderes mundiais, inclusive aliados (as), as grandes empresas de tecnologia e qualquer pessoa com um smartphone, computador e acesso a internet. Controle é poder.
Diante da importância dos dados aos quais teve acesso e a tirania que esse controle representa, Snowden resolveu delatar, vazar dezenas de gigabites de arquivos ultra secretos na internet via wikileaks e oferecer à imprensa um arsenal de notícias bombásticas. Barack Obama rebolou para se justificar frente a Dilma Roussef e Angela Merkel, por exemplo. O filme também relata como como o governo note-americano espionava também a Petrobrás, e não seria mera teoria da conspiração deduzir que há grande interesse estrangeiro no petróleo brasileiro. Talvez por isso tenhamos vendido nossos poços de pré-sal por valores tão irrisórios...
O caminho que Snowden tomou é sem volta. Imediatamente à publicação das notícias pelo jornal britânico "The Guardian", ele foi considerado criminoso e, se voltar aos EUA, certamente será executado por alta traição.
Edward Snowden hoje está sob a proteção da Rússia, o que possivelmente reacende fagulhas da guerra fria. Passado o choque das notícias, provavelmente o Grande Irmão EUA voltaram a espionar tudo e a todos, e devem estar nesse momento fuçando a caixa de e-mails, facebook ou whatsapp de incontáveis infelizes. Entretanto, a importância do ato de Snowden está em moer completamente o conto de fadas da privacidade, acaber com a inocência de acharmos que qualquer coisa que façamos, mesmo sob a máscara do anonimato, não seriam descobertas.
Um dos mais importantes diretores de Hollywood, Oliver Stone é conhecido tanto por premiados sucessos de crítica e bilheteria como Wall Street e Platoon, como também por filmes de qualidade bastante questionável, como "Nascido em 4 julho" e "As torres gêmeas", nesse aqui acerta em muitos pontos. Primeiro, a escolha de Joseph Gordon-Levitt para o papel de Edward Snowden. Além da aparência física, o ator deu muita qualidade na condução da trama. Bem verdade que o filme poderia ter cerca de 10 minutos a menos, fica creditado na conta de Stone o suspense político que permeia as 2h15m, por mais que, já saibamos o desfecho do fatos.
Essencialmente a história reacende o debate em torno de direitos que achamos que temos, tais como liberdade e privacidade. Fica claro que não estamos mais no campo da ficção científica ou das teorias de conspiração, algum governo ou hacker pode, remotamente, utilizar qualquer celular ou web cam para espionagem, sendo que essa possibilidade muitas vezes somos nós mesmo que permitimos, quando para fazer algum cadastro ou baixar app clicamos no "aceito as condições". Fazendo isso também fornecemos uma infinidade de dados nossos para fins comerciais. Você realmente acha que o Facebook é gratuito? Repense seus conceitos...
No filme também há alguns diálogos que se referem à internet como trincheira das guerras no século XXI, usando-se tal argumento para justificar todo tipo de ação ("Os fins justificam os meios" (MAQUIAVEL, Nicolau). Relacione esse fato à onde de ataques virtuais ocorrida recentemente, quando hackers aproveitaram uma falha do windows e espalharam um vírus que os dados de HDs de computadores empresariais e governamentais, exigindo pagamento de resgate em bitcoin, uma moeda virtual garimpada na internet. Somente depois de todo um estrago outros hackers conseguiram barrar os ataques, e descobriram que a origem do vírus foram IPs de China e Coréia do Norte.
Bom, fica a dica de um ótimo filme, além de uma boa indicação aos que vão prestar exames que contenham questões de atualidade.