Cada um deles veio de uma realidade e com formações diferentes. Enquanto John vivia na classe média com sua tia, porém com uma vida pessoal extremamente conturbada, Paul vinha de uma família de músicos que, sem sorte no show business, ganhava a vida nas fábricas de Liverpool. Entretanto, tinha um lar relativamente tranquilo e logo cedo já ganhou intimidade com os instrumentos musicais. Paul ensinou John a tocar e eles formaram a parceria de compositores mais bem sucedida da história, equilibrando seus imensos egos e uma genialidade sem tamanho.
Serão as disputas e rivalidades entre os dois que, ao final da banda em 1969/70, foram determinantes para a cisão entre os Beatles.O guitarrista George Harrison e o bateirista Ringo chegariam depois. Assim os "Quarrymen", antiga banda formada por Lennon se transformou em The Beatles.
De todo o século XX, a década de 1960 talvez tenha sido a mais complexa e contraditória, e os Beatles são o retrato desta geração. No comecinho da banda, com seus terninhos alinhados, cabelos arrumados e suas poses de bons moços, por onde passavam arrastavam milhares de fãs com um ritmo que fez sacudir até a sisuda rainha da Inglaterra com o Twist and shout. Já estavam revolucionando o rock. Neste momento refletem a sociedade eufórica do pós 2ª guerra mundial, e suas músicas tem maior tendência a temas românticos, como And I love her, Ticket to ride, All my loving, I will, Till there was you, Please please me, I'll follow the sun, entre outras.
Tem início a "Beetlemania", e uma nova noção de cultura de massa.
No decorrer da década o mundo começa a entrar numa fase em tanto estranha, pois acentuam-se crises sociais, ditaduras são impostas em diversos países, a Guerra fria começa se aquecer colocando o mundo sobre o risco de uma guerra nuclear e tem início a Guerra do Vietnã. Neste momento suas músicas também ganham em complexidade e introspecção. São deste tempo canções como Help, Yesterday (a música mais regravada de todos os tempos), Getting Better, Blackbird (um das minhas favoritas, de Paul McCartney) e A day in life (clássico de John Lennon). Também nesta época os quatros começam a se cansar profundamente da correria frenética da beatlemania, de fazer shows e cansam uns da cara dos outros. Já estavam no auge e tinham ido muito além de qualquer outra banda de música, tinham reinventado o rock.
É aí que o rock cede espaço e a droga entra em cena. Inicialmente os fabfour se viciaram em drogas mais leves como a maconha, mas depois vieram cocaína, heroina e LSD, e as rivalidades individuais ficam ainda mais afloradas. Agora os Beatles não fazem mais shows, apenas gravam em estudios. O romantismo deixa de ser tema e as músicas ficam cada vez mais psicodélicas e falando de solidão, em grande parte como influência dos intorpecentes. Mas nem por isso ficam menos geniais.
São desta época os clássicos Yellow submarine, Sgt Pepper's lonelly hearts club band, Lucy in the sky with diamonds, Hello goodbye e Magical mystery tour.
Buscando inspiração em suas origens, Lennon e McCartney escrevem letras inesquecíveis. Lembrando dos campos de morango silvestre próximos da casa de sua tia Mimi, Lennon escreve Strawberry fields forever, marcada por um compaço totalmente diferenciado. A letra diz "nada é real e não há nada com o que se preocupar", exprimindo as dores dos tempo antigos de John. McCartney, por sua vez, compõe Penny lane, reinventando o cotidiano de uma alameda de mesmo nome que ficava bem próxima da sua casa, num bairro operário de Liverpool.
Já estamos chegando a 1968 e a tensão toma conta da sociedade. Com a guinada na Guerra do Vietnã e o aumento do número de soldados americanos mortos, a sociedade americana sai às ruas clamando pelo fim do conflito (que ela apoiou no início). No mundo inteiro jovens saem às ruas lutando por liberdade, em Praga (República Tcheca), em Paris, aqui no Brasil... Na contramão de tantos conflitos, ganham força os movimentos hippies, buscando outra realidade dentro de suas sociedades alternativas. É a era do "paz e amor".
Internamente as relações entre os beatles azedam ainda mais e o distanciamento entre eles se torna um verdadeiro muro de Berlim. George Harrison viaja à Índia procurar paz e meditação com os gurus do hinduísmo e John Lennon se engaija em diversos movimentos sociais. Paul se afasta e Ringo vive sua vida de playboy, consumindo sua fortuna com carros e mulheres. Todos consumindo enormes quantidades de maconha e LSD... Brigas de ego apimentam ainda mais a relação e o clima no estudio fica ainda mais pesado.
Mesmo acessos os pavis, as quatro dinamites continuam produzindo clássico atrás de clássico, revolucionando o rock n' roll, os comportamentos sociais e demarcando para sempre seus lugares na história. 1968 é o ano do clássico Yellow submarine, uma das canções mais conhecidas da banda, além da belíssima All you need is love, a canção oficial do natal deste ano, pedindo paz ao mundo mesmo com eles próprios em guerra declarada.
1968 também é o ano do antológico album The Beatles, ou simplesmente Álbum Branco (white album), pra mim o melhor de todos. Helter Skelter e Revolution fazem o mundo sacurdir com fantásticos acordes de guitarra, também com arrepiante While my guitar gently weeps (enquanto minha guitarra gentilmente chora) de Geroge Harrison. Neste momento em que escrevo, ouço este álbum com uma certeza: a de que nasci na época errada.
1969 chega ainda mais turbulento, com o aumento dos protestos ao redor do mundo e consequentemente da repressão dos governos. John Lennon e sua nova esposa Yoko Ono são os mais engajados, com suas roupas largas, cabelos desgrenados, barbas por fazer e óculos redondos. Morando nos EUA, os dois viram figuras carimbadas nas manifestações de rua em Nova Iorque e no Central Park. 1969 chega também com uma certeza, a do fim iminente dos Beatles. A relação entre os 4 maiores astros de rock da Terra estava insustentável.
Ainda assim, não poderiam encerrar a trajetória tão brilhante da banda sem um disco tão fantástico como. Não sei de quem foi a ideia dos Beatles tirarem a foto para o álbum Abbey Road atravessando a faixa próxima à gravadora, mas foi uma ideia de iluminação ímpar. Realmente fantástica! Uma das fotos mais emblemáticas e copiadas de toda história...
Come together de Lennon, Something e Here comes the sun de Harrison e o rock progressivo psicodélico She came in through the bathroom window (ela entrou pela janela do banheiro), de Paul McCartney, dão o tom do disco. Em 1970 ainda foi lançado o album Let it be, com a música-título composta por McCartney, também se tornando uma das mais famosas da banda.
Por fim, como se pode observar na imagem ao lado, o próprio visual dos Beatles sofreu grandes modificações ao longo dos anos, conforme vão amadurecendo e mudando com a própria sociedade, desde os bons moços do início dos anos 60 até os psicodélicos loucos revolucionários de cabelos desgrenhados do fim da década.
Não sou fan de filmes musicais, mas recentemente assisti um realmente muito bom, e que recomendo todos: "Across the Universe". Com trilha sonora toda baseada em canções dos Beatles, o filme se passa no auge dos anos mais loucos do século XX. Permeando os bairros operários ingleses onde a luta de classes fica ainda mais evidente e a realidade psicodélica de Nova Iorque, retrata com grande realismo uma juventude que tenta mudar o mundo através de passeatas e movimentos guerrilheiros, mas que também procura refúgio para as dores do mundo em uma variedade de drogas cada vez maior. Sem apologias, é nítido como as pessoas se autodestroem na mesma medida em que megulham cada vez mais fundo num caminho sem volta. Se assemelha muito a um outro musical também muito bom, Hair, que ambientado nos movimentos hippies conta as histórias de um americano alistado para a guerra do Vietnã que acabou aderindo à sociedade alternativa e a de um hippie que por engano acabou indo para o conflito, e enlouquecendo.
Bom, impossível falar tudo sobre os Beatles em tão poucas linhas. Cantores e bandas vem e vão, se sucedem nos topos das paradas de sucesso até sumirem para sempre. Pouquíssimos, entretanto, se tornam eternos. The Beatles é um desses.
Abraços!!!
Alessandro Santana